domingo, 28 de outubro de 2012

Posteridade III - Final Alternativo - André Andere

E o mundo desmoronou
Do lado de fora desse quarto
Ontem as coisas também eram difíceis Paul
Amanhã ainda serão

Eu sou só um vagabundo
Da esperança eu já estou farto
E a vingança é um prato raso
Que mal vai dar pra depois

E nós dois
Quando estaremos a sós?
E bateremos o pó
E viveremos e só?

Será que a arte de minha vida
Será?
Um rotineiro poeminha abstrato?
E se o tédio achar ele tão chato
Quando meu resto apodrecer nesse mato
Não vou sequer me eternizar?

E a morte
Essa velha artista
Palhaça, bailarina, musicista
Nunca vai me tirar pra dançar?

E quando é que eu  vou poder cantar
Se a voz segue o sonho e some?
Não meu amor
Ninguém morre!
Todos vão morrendo...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Posteridade II


Por que essa necessidade de se eternizar? De permanência? De posteridade?
Parece natural ao ser humano essa vontade de ser lembrado. A continuação da espécie, a reprodução social, a memória, todos são como finalidades últimas.
            O efêmero da vida se dá em tudo, cobrindo de beleza os encontros e desencontros casuais que nos fazem sorrir antes de dormir. A intensidade só se dá em ato. Viver é intenso como o é nosso primeiro abrir e fechar de olhos, e é tão breve quanto.
A vida e a natureza mostram em si um processo inerente de renovação, de criação, do novo. Círculo. Sempre um círculo. Qualquer ponto em seu interior é apenas uma etapa, uma pequena parada da energia que flui constantemente em tudo e a todos. A efêmera parada de um ponto de luz intenso. Só isso e tudo isso. Por que desejar que esse ponto de luz permaneça ali, parado e aceso para sempre, individualizado???

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Relatos Marginais - Manaus


Relatos marginais do trabalho de campo em Manaus – O bar do Armando

            Chegamos em Manaus na sexta-feira. Nossa primeira noite terminou em pizza e descanso. Na segunda noite, uma conjunção de fatores: era sábado à noite, era o acúmulo de energia da noite passada, era a euforia do começo da viagem, e era o aniversário de Flávia.
            Após os trabalhos daquele dia, bem cansativos, caminhamos rumo ao centro a procura de algum bar barato. Passamos pelo teatro amazônico, perto de onde havíamos almoçado na sexta, e nos deparamos com o bar do Armando. A aparência de boteco era extremamente convidativa ao meu gosto, o preço era aceitável e podíamos sentar nas mesas da calçada.
            Lembro-me bem da energia transbordante de nossa mesa, a euforia, os risos, o álcool, a fumaça sinuosa de um cigarro de palha, a lua crescente. Era uma festa espontânea. Lembro dos olhares de Ana, ao mesmo tempo fortes e suaves, dos risos de criança de Flávia, mordendo de leve a parte de baixo da boca, das minhas gargalhadas longas, intermináveis, por qualquer motivo pequeno. Dos brindes, milhares. Das poesias. Dos votos, promessas de amor vazias, mentiras sinceras, não importa. A realidade é fugidia e existiu ali por um pequeno momento. “Se a partir daqui tudo der errado na viagem, ainda assim ela terá dado certo, só por causa da noite de hoje”.
            Começamos nosso pequeno sarau no bar. Vi em cada poema despertar nas duas um sorriso gostoso e verdadeiro, e talvez todo esse brilho tenha atraído nosso curioso visitante. Um senhor com já seus sessenta e tantos anos, com uma longa barba branca, chinelos e regata, portando um boneco de ventríloquo, sentou-se em nossa mesa. Utilizando o boneco, pediu mais uma cerveja, mesmo sob protestos do garçom que já tentava fechar o bar a algum tempo. Parecia ser bem conhecido por ali.
            Foi então que nos recitou o poema Sete Vidas, dele mesmo. Fantástico. Adoramos. Ele continuou a recitar poemas, nos pediu para recitar alguns. Por alguns segundos nossa mesa havia sido transportada para uma dimensão em paralelo, na qual o mundo não existia, não tínhamos passado, nem peso. Apenas a poesia no ar parecia importar, ela não estava nas palavras. E do modo efêmero como ele veio, foi. Levantou-se de repente, correu e tomou um ônibus, deixando para trás três pessoas maravilhadas e um boné suado, num projeto de Cinderelo tupiniquim às avessas. Escrevemos um poema tentando captar de leve o episódio, colocamos dentro do boné, e pedimos ao dono do bar que entregasse para o dono, insistindo muito na importância disso.
            No fim da noite, fizemos nosso cerimonial de aniversário: shot ao amigo. As declarações de amor que se seguiram em dedicação dos copos eram como juras falsas e sinceras, o belo da vida, efêmero, permanente apenas em si mesmo e na intensidade. Essa derradeira dose de cachaça, descendo quente, brindando forte, batendo o copo na mesa, encerrou nossa conta. Partimos do bar bêbados, leves, sorrindo, prometendo ler poesias a noite toda no hotel. Ao chegarmos nas camas, o álcool nos derrubou em menos de dez minutos, e dormimos feito rochas.