quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Liberte-se de Suas Diretrizes



Uma das coisas mais importantes que aprendi ao longo do tempo é que na vida existe uma multiplicidade de paradigmas para tudo. Coisas que você viu, ouviu e aprendeu durante a infância, acha que é o correto, sempre achou natural e de direito, tratam-se de pontos de vista, a maioria de bem pouco tempo atrás.


Na verdade não é assim em todas as partes do mundo. Nem sempre foi assim no passado daquele mesmo lugar. Não é assim para as outras pessoas. Na verdade, o mundo em que você vive é bem peculiar. É a sua apropriação individual do que é a realidade. Não bastasse isso, a realidade coletiva é igualmente peculiar.


Os paradigmas que consideramos como direito natural, na verdade são fruto de um passado recente. Propriedade privada, os países constituídos em Estados, todo nosso modo de viver e conceber isso, são produtos do século XIX, e há quem diga que jamais fomos modernos. Nosso projeto de sociedade, a declaração de direitos humanos universais, tantas coisas e ideias que hoje vigoram, não são mais velhas que a segunda guerra mundial. É impressionante abandonar o mundo particular da infância e adentrar a fase contestatória da adolescência, quando percebemos outros mundos, passamos a questionar os fundamentos daquilo que nos impõem. Não pude entender na adolescência contestatória, contudo, o caráter relativo e subjetivo da ciência e do conhecimento. De como as informações que temos sobre o mundo são recentes, e poucas. Não sabemos mais do que sabemos se quer saber (me perdoe o trocadilho, como disse, estou ficando velho).


O que mais me chamou atenção, certamente, foram os novos paradigmas para arte. Acostumei-me a um estilo de pintura e escultura, uma certa literatura, ao normal demais, e a determinados paradigmas musicais. Descobrir a arte abstrata significou para mim entender o que se passou na cabeça do artista, e sentir a sensação que ele tentou imprimir na obra. As novas formas de narrar na literatura, os novos assuntos discutidos e nunca dante pensados. Concluí que a arte gera sensações diversas e intensas, que atinge a todos os tipos de público.


O ser humano é diverso. Sua realidade cultural tão plural está nas mais variadas formas de organizar a vida social, o trabalho, a cultura, espalhadas nas mais variadas paisagens do planeta. Aos poucos descobrimos que o outro pode ser muito diferente de nós, seja ele estrangeiro ou vizinho. Mudar as diretrizes e paradigmas. A Metamorfose Ambulante.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

"Memórias" do IFCHstock

É forte. Como se a imaginação se confundisse à realidade. Talvez como fusão entre as duas.


Imagino-me de vários ângulos e passo a me enxergar nesses ângulos, como se estivessem “trocando a câmera”. Preciso prestar muita atenção para perceber em que posição me corpo está de fato; isso somado ao movimento cria um efeito espetacular. Contudo, de olhos fechados, é muito mais difícil perceber a posição (ou qualquer outra coisa, diga-se). As vezes meus olhos fechados fazem parecer que estou em movimento quando na verdade estou parado; quando escuto música e fecho os olhos, parece que meu corpo vibra e se mexe conforme a música, mas estou novamente parado: quando olho para minhas mãos, vejo toda a imagem do meu corpo saindo de foco, mas ainda do ritmo da música, como pequenas vibrações que distorcem a visão e a devolvem ao normal em alternância, e no tempo da música. Sinto-me como um mostrador digital de um equalizador.


Consigo sentir pelo tato as vibrações das grandes caixas de som. Quando me ponho em movimento de fato, minha mente trabalha tantas variáveis que já não leva conta tantas outras, e o que resta (tudo o que retenho) é a música. Olho a banda no palco. Verde, vermelho e prata, cores belíssimas, um show de luzes e cores; realmente, os caras sabem tocar, tanto no sentido técnica quanto no sentido empolgação. Mal posso acreditar que estão tocando “Jardim elétrico”.


A cada explosão da bateria e do baixo sinto que algo explode por dentro em mim, uma vibração ou energia estranha, como se algo tentasse transbordar.


Depois saio andando. Algo está diferente: tudo parece inclinado uns cinco graus para esquerda. Além disso, tudo parece se mexer no mesmo ritmo dos seus passos, o que dificulta um pouco a caminhada, mas a deixa interessante. Descendo pelo corredor, ele avista um grupo de hippies, vendendo artesanato e frutas orgânicas. O ambiente tinha uma energia boa, eles sorriam e conversavam. Quando me aproximo, vejo a garota das bananas, sentada de pernas cruzadas e usando roupas largas e coloridas. Tinha olhos de um azul profundo, os cabelos escuros, um sorriso encantador. Sem pensar, pergunto:


“Você é um anjo?”


Ela ri. Compro duas bananas orgânicas, e comento que estava justamente procurando bananas. Assim que falo isso, uma outra garota compradora aparece e diz a mesma coisa (que estava a procura de bananas). Acho que a vendedora entendeu que era um anjo no sentido de estar vendendo justamente o que eu procurava, mas entendeu também que talvez eu falasse do seus olhos angelicais. Em nenhum dois casos ela viu maldade e nem eu, era apenas um elogio sincero.


Continuei descendo, a vagar pelos corredores do prédio. Estava totalmente imerso no mundo da minha mente, que fluía livre pelos estímulos dos arredores. Ao fim do caminho, percebi que estava longe, havia saído e estava agora em um lugar que já me era muito familiar. Deitei na grama em baixo de uma árvore onde podia ver um ninho de corujas. Estava vazio e completamente silencioso.


Pego o isqueiro e acendo um cigarro. Meu corpo e minha mente parecem girar enquanto sinto o relaxamento. Fico olhando as corujas enquanto uma pequena nostalgia feliz atravessa minha mente. Impressionante eu ter ido parar em um lugar onde, semanas antes, estivera ali naquele gramado com amigos, em condições semelhantes.


Voltei ao anfiteatro de arena onde os outros estavam deitados. Deitei e fiquei a observar as estrelas. Novamente, parecia estar pousando depois de ter atravessado um túnel.

Voltando pra casa

As palavras saíam soltas. Pensava que as esqueceria, e de fato foi. Contudo, lembra de ter sido extremamente sincero consigo mesmo. Ele achava que o último sunshine havia dividido sua vida entre antes e depois. Intenso, não? Pois é, mas ele sempre pensava isso. O último sempre dividia, mesmo que sua vida tivesse sido dividida em duas a uma semana atrás.


Sozinho caminhando de volta pra casa, o mundo parecia estar em outras duas perspectivas que não a normal. O que seria normal, como definir?


Já em casa, o doce toque da música, não há nada igual a uma caneca de café de fumaça sinuosa ao som das teclas de Arnaldo Baptista. “Sinto falta de mais poesia, acho que isso está faltando na vida das pessoas”. Concluiu que o caminho que tomara até ali havia se tornado acinzentado, diferente do colorido que ele visualizava no quadro da parede. Faltava uma maneira de viver com o sorriso da poesia no rosto, com mais energia de vida e espontaneidade. Faltava.


“Pra ser honesto, sou um pouquinho infeliz”.


Só que naquela manhã, o sol estava ficando alto, ele passou a se olhar pelo lado de fora e não mais de dentro, mesmo parecendo difícil de entender. Sentia como se a vida fosse uma sucessão de muitos nascer-do-sol, como capítulos da vida. Aquela manhã, sentiu como se estivesse finalizando um desses capítulos e se preparando para ver um pôr-do-sol.


Embora tenha achado a noite longa e boa, de companhia agradável, ele se sentia diferente. Na manhã seguinte equivalente do ano anterior, ele lembrava, estivera num lugar mágico e inacessível, onde o ar parecia estático e envolvido em uma música dos Beatles. Entre as duas manhãs havia se passado um ano ácido de muitos acontecimentos e dificuldades, mas muito mais de belos pôr-do-sol ao fim de tardes de primavera, mais de descobrimento, mais de música. “Não se assuste pessoa, se eu lhe disser que a vida é boa”. Tanto mudou, por que ainda se espantava com a dimensão das mudanças? Impressionante, quando vemos algo evoluir no cotidiano não percebemos, mas comparado ao ponto de partida, vemos como a caminhada foi longa, e imprevisível.


Não importa, pelo menos não ali, nem naquele dia. “Acho que quero apenas de abraçar uma pessoa querida”. E ouvir muita música. Parafraseando Raul, ouvir o som da própria voz.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Contos Cruspianos III

Naquela manhã ele não foi para casa. Quando já finalizava seu café, ouviu ao longe os auto-falantes do sindicato dos trabalhadores, dando notícia das pautas da greve que já durava sete dias. Era uma voz de senhora, um pouco rouca. Diria melhor: cansada. Cansada de tanto gritar ao longo da vida em microfones e assembléias, nas lutas sindicais. As vozes que falavam aos auto-falantes eram sempre conhecidas, pois formava-se ali os quadros que disputariam em movimentos sindicais e partidários. É a maldita estratégia de ação política por dentro do Estado.



Gabriel havia presenciado grandes acontecimentos políticos no curso de seus três anos de faculdade, mas participara ativamente das coisas apenas no primeiro ano. A corrupção, as tramoias e as disputas partidárias no interior dos movimentos sociais o haviam desanimado. Desde então acompanhara tudo que acontecia no campus, mas de longe, sem se envolver muito. Ouvindo a voz daquela senhora, pensou em quanto da vida pessoas sacrificam em prol de uma mudança radical de sociedade. Elas simplesmente não aceitam. Recusam-se a aceitar a subalternidade, a sofrer nas duras lidas diárias por pouco enquanto sustentam os ricos que consomem e esbanjam o planeta. Lutam para acordar a classe média de seu silêncio comprado barato por salários medianos e carros populares.



Foi então que ouviu o som de fita adesiva, e percebeu que alguém fazia colagem de cartazes políticos na porta do elevador. Dentro do CRUSP, desenrolava-se também a política e as disputas de poder. Apesar de suas tendências anarquistas – definição dada por outras pessoas – ele considerou naquela manhã que se envolvia pouco com o que acontecia a sua volta.



Quando saiu da cozinha para o corredor, viu quem colava o cartaz na verdade recolava. Uma moção de repúdio tirada em assembléia de moradores havia sido rasgada por uma das vizinhas. Era Roberto, o vizinho do andar de baixo, quem o restaurava, remontando o quebra-cabeça de papéis. A intenção política da remontagem estava justamente em não substituir o papel, mas em colocar o mesmo, para mostrar que apesar das oposições, ele continuaria a testemunhar o que continha em suas linhas, gostassem ou não. Ele olhava e pensava em quantas pessoas estariam se envolvendo naquelas agitações políticas por detrás daquele cartaz rasgado.



Olhando para o vizinho, pensava em como era uma pessoa peculiar, uma realidade, um outro mundo com uma história totalmente fora de sua projeção, de suas suposições. Vindo do interior, de uma vida pacata, Gabriel sabia que sua experiência de vida, que não era pouca, ainda não bastava para compreender a trajetória de Roberto e tantos outros que ele havia conhecido em três anos. As mais singulares pessoas, com as mais singulares histórias. Contudo, os cruspianos não contam suas histórias a todos, e muito do que se sabe vem do implícito. Vinham de todas as partes, tinham as mais variadas idades, eram dos mais variados tipos.



Roberto era uma das personalidades peculiares da moradia. Aparentava por volta de trinta anos, cursava ciências sociais a provavelmente seis ou sete anos, sem projeções para se formar. Era muito envolvido nas disputas políticas dos moradores estudantes; fumava muito, e já se ouviu dizer dele em devaneios que tinha suas fases, nas quais usava de tudo; ninguém sabia ao certo a alternância e freqüência das fases. Em seu rosto, viam-se as marcas de uma história de vida conturbada e difícil. A barba por fazer e o cabelo já meio grisalho não o faziam velho, apenas faziam aparentar ser muito batido para alguém da sua idade. Contudo, tinha uma personalidade jovem, ouvia rock no último volume, enchendo o corredor com o som que ia de Nirvana à Raul Seixas.



Acima de tudo, sua principal característica era uma certa energia na sua presença, do tipo que Gabriel sentia quando estava diante de alguém cuja realidade lhe era totalmente distinta. Não raras foram as vezes em que as histórias das pessoas com tal energia o chocavam absurdamente. Porém, como já dito, nem todos compartilhavam o passado, e imaginar o que outros viveram com base em fragmentos do presente para ele era ao mesmo tempo fascinante e aterrador. Fascinante pelo contato mágico com o desconhecido; aterrador porque muitas vezes conhecia faces do mundo muito assustadoras, com as quais pessoas conviviam banalmente.



Ele cumprimentou Roberto, oferecendo-lhe café, como fazia a todos os vizinhos. Aceitou. Depois de um diálogo trivial, enquanto caminhavam até a casa de Roberto, quando este lança a pergunta:



Você sabe alguma coisa de carpintaria?



Pouco. Por quê?



Preciso fazer uma adaptação em casa.



Gabriel aceitou seu convite, e foi até a casa de Roberto. Lá, pode novamente juntar fragmentos do passado obscuro e sentir o contato com o desconhecido e encoberto.