Ele caminhava.
Era uma rua reta e
comprida, que para ele parecia algo mais próximo de um túnel. Só via as cores
cinzas ao redor se repetirem indefinidamente. Uma chuva leve caía, ocupava-lhe
de sentir a água escorrer suave pelo rosto. No ritmo dos seus passos seus olhos
alteravam as cenas do agora às cenas do passado; um passado nostálgico, de
tempos felizes em que ele tinha plena consciência de estar vivendo seus
momentos mais marcantes. Dizia-se consciente da própria felicidade e achava
isso um dom, talvez uma dádiva. Não importa mais, é tudo sombra e pó, de um
tempo cruel que não volta atrás.
Vivemos
os dias de hoje.
Estava
triste, contudo, a tristeza era pouca. Mesmo assim, se ressentia por carregá-la
sempre. Ela o acompanhava. Talvez até já parte dele fizesse.
Andando,
via passando tudo aquilo em que errou. Andava levemente curvado, com as mãos
nos bolsos, estava um pouco frio.
“Esqueça,
não pensa mais”.
Seu
olhar estava turvo, como se a realidade estivesse ligeiramente curvada. Droga,
ele não sabia nem a data. Não importava, seu relógio mais imediato era o
compasso do coração, que agora parecia apertado.
As
vezes sua mente desligava, talvez por autodefesa, e ele punha-se em um estado
em que apenas sentia. Contudo, mesmo ao apenas sentir, sentia uma ponta de algo
que lhe faltava (ou sobrava, não sabia ao certo).
Adiante,
ele vê, às portas de um carro aberto, um reencontro. Abraços apertados, rostos
felizes, sorrisos. Ele pode sentir reverberar nele tamanha energia. As vezes a
felicidade dos outros é tanta que ele pode senti-la, ele se sente sensível por
isso, mas não gosta muito disso.
Ele
se concentra nas suas passadas, não pode se dar ao luxo de imaginar-se em uma
cena como aquela. Não poderia. “Esquece, não pensa”. Fecha os olhos,
apertando-os de leve. Ele passa a mão no rosto, enxugando um pouco da chuva, e
segue em branco o seu pensar.
“Quem
sabe se vive outra vez?”
Tudo
alegre, ia e vinha, como fachos de luz ao seu redor, via o mundo diferente e
não ligava. Ele ainda sente, e grita ao vento que de fato amou. Em casa,
exaurido, deita. Terá sonhos dos quais não se livra todas as noites; não os
acha ruins, mas preferia as vezes dormir sem sonhos.
Os
dias passam. Ele sempre pensava que tudo passava, sumia, acabava. Mas a
constância era realmente o desfaio maior. A paz era suficientemente forte, ele
viveria. Teria forças para apenas dirigir um “que pena” ao passado e continuar.
Em
frente a sua janela, ele observava uma garota que praticava dança em um estúdio
no prédio à frente. Era belo ver seus movimentos suaves de balé riscando o ar,
produzindo uma música que ele de fato podia ouvir, mesmo que o som do estúdio
não o alcançasse de fato. Ele gostava de imaginar que ela estava apaixonada e
por isso dançava com aquela paixão. Na verdade, gostava apenas de pensar que
ela era jovem e feliz, e que ele sentia.
“Esquece,
não pensa mais”.
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