Era uma manhã
fria de agosto, na solidão e aconchego do pequeno quarto, as paredes, o tempo e
o espaço, se transmutam em uma mistura de distorção, cores, sentidos novos. É
confuso, mas não entender faz parte das novas sensações.
Sentia-se como
um desprendimento. A realidade, às vezes, age como um grilhão. É o peso. É
irônico: sair desse jugo é tão leve e ao mesmo tempo tão intenso, tanto quanto
o peso jamais será.
Essa leveza
parecia estática, mas também movimento. Ou algo entre as duas coisas. É difícil
perceber. O movimento às vezes é de tudo ao redor enquanto se está parado.
Talvez um terceiro estado da relação de posição entre corpos para o qual não
exista ainda uma palavra.
O som parecia
luz, a luz parecia som. O ar estava mágico, os contornos de tudo ligeiramente
borrados e luminosos. Não fazia a menor diferença olhos abertos ou fechados.
Nada fazia diferença, tampouco semelhança de algo.
...
Um turbilhão.
Uma respiração
te traria à realidade. Espere. Mais um pouco...
Cuidado. O
labirinto de Minus pode as vezes ser traiçoeiro e nos confundir. Não perca a
corda amarrada na saída. Ou a trilha de pão.
Mais um. Erga os
braços e aproveite a descida. Sem medo, aproveite porque é emocionante, é como
a primeira descida da montanha russa, mas para todas as direções.
Respiração
funda. Saliva descendo a garganta. O tato de novo reaparece. Agora já
reconhecível a posição do corpo, as paredes, o teto... Uma era inteira se
passou. Mas agora os sentido percebem que não passou mais de um minuto ou dois,
pois foi apenas o tempo exato de um solo de órgão de Arnaldo Baptista.
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